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Saturday 18 July 2009

São Petersburgo

Ermitage - São Petersburgo - Rússia

 

Romântica como Veneza e elegante como Paris, assim é São Petersburgo, a mais bela cidade Russa.

 

É verão e o sol brilha com intensidade em São Petersburgo. Devagar, um pequeno barco desliza pelo labirinto de canais levando um casal de namorados. É verdade que os olhos de ambos brilham muito, embora não se saiba se este é aquele brilho abobalhado comum a todos os enamorados ou se é produto do encanto com a beleza desta cidade. Margeando os canais, estão as casas simples, mas também construções grandiosas, museus, teatros, palácios, torres e igrejas. Ao sabor das águas, vêem-se ainda pontes, parques, estátuas, praças, isso sem contar os restaurantes e cafés. Com essa descrição, tudo leva a crer que na próxima curva o casal descerá na Piazza de San Marco. Poderia até ser, não fosse o fato de que as águas que sustentam o barco não são as salgadas do Mar Adriático e sim as doces do Rio Neva. Aqui não é Veneza, na Itália, e sim São Petersburgo, em plena Rússia, também conhecida como a Veneza do Norte.

 

São Petersburgo - Rússia

 

Como todo apelido, esse representa apenas uma parte, não o todo do conjunto. São Petersburgo, segunda cidade russa em importância econômica e cultural, situada não muito longe da Finlândia e a uma hora de vôo de Moscou ou 8 horas de trem, vai muito além da poesia de seus canais.

 

São Petersburgo - Rússia

 

Tudo em São Petersburgo respira arte, principalmente as 3 milhões de obras do Hermitage, o segundo museu do mundo, à frente do Metropolitan de Nova York e atrás somente do Louvre, em Paris. Distribuídos em cinco edifícios e 350 salas, estão pinturas, esculturas e objetos de todas as culturas e civilizações, da idade da Pedra à semana passada.

 

São Petersburgo - Rússia

 

Embora os czares sejam hoje uma espécie tão extinta quanto os dinossauros, a vocação para a arte continua viva e saudável em São Petersburgo. Com treze teatros, a cidade tem uma agenda movimentada de peças, concertos e balés. Mas, como o número de teatros é limitado e os talentos são muitos, praticamente em cada esquina, nas estações de metrô ou perto dos mercados, há exímios violinistas executando sonatas em troca de moedas e pintores tentando reproduzir o entardecer nas águas do Neva ou a profusão de cores dos jardins no verão, cena comum de ver, por exemplo, no Palácio de Pedro, o Grande. Mesmo que somente essas atrações mais do que justifiquem a viagem para lá, o fato é que muitos consideram que, mais do que as exposições dos museus, os acordes dos músicos ou as coreografias dos balés, as mais vistosas jóias da coroa de São Petersburgo são as suas igrejas, que existem às dezenas, uma mais bela do que a outra.

 

São Petersburgo - Rússia

 

Tudo começou com Pedro, que escolheu um lugar estratégico, expulsou os inimigos e construiu ali uma fortaleza. Contratou os melhores urbanistas e arquitetos disponíveis e trouxe milhares de trabalhadores das regiões mais distantes. Eles limparam os terrenos, drenaram os pântanos, construíram ruas, edifícios, canais, portos, aterros e represas, a grande custo financeiro e humano. Pedro transferiu a capital para esse lugar, moveu os órgãos públicos, obrigou a nobreza a edificar palácios e fundou uma academia de ciências.
Proibiu construções semelhantes no resto do país. Fez tudo por decreto, porque podia. Com tempo e perseverança, essa cidade cresceu, tornou-se economicamente importante, reuniu belezas arquitetônicas e museus grandiosos. Atraiu estudantes, intelectuais e artistas e tornou-se palco de transformações políticas que abalaram o resto do mundo. Depois caiu no esquecimento, resistiu bravamente aos invasores até ser redescoberta como uma das mais belas cidades do mundo. Em 300 anos de vida passou por três regimes e teve muitos nomes, o primeiro igual ao último, São Petersburgo. Embora pareça ter saído da imaginação de algum escritor de fábulas, a história da cidade criada pelo czar Pedro, o Grande, dispensa fantasia. Os dramas e as belezas da cidade podem ser comprovados e sentidos à primeira vista.

 
A identidade da cidade deve muito à sua origem, que deu as costas para uma Rússia secular e colocou os olhos em direção ao Ocidente das novas oportunidades. Até mesmo o último czar, Nicolau II, fez questão de lembrar: "São Petersburgo é na Rússia, mas não é russa".
São Petersburgo foi desenhada com a racionalidade da geometria num plano de ruas retas e num sistema de canais e ilhas. Grandes perspectivas se abriram, ressaltando a horizontalidade geográfica. Os enormes palácios parecem pequenos diante do gigantismo visual que a cidade proporciona.
Artificialidade e originalidade sempre estiveram juntas por lá. Os esplêndidos edifícios da nova capital, o traçado das ruas e a vida social foram importados da Europa, mas a literatura, a música e os eventos políticos que a cidade gerou são difíceis de imaginar em outro lugar.
Essa modernização imposta de cima para baixo criou um ambiente único de tensão social e riqueza intelectual. Foi lá que Púchkin, Dostoiévski e Gógol escreveram. Lá, Tchaikovsky, Stravinsky e Shostakovich compuseram.

 

São Petersburgo - Rússia

 

Hoje, a cidade tira proveito de sua riqueza histórica e cultural. Viajantes do mundo todo vêm apreciar as obras do museu Hermitage, assistir aos espetáculos de balé ou cair na vida noturna.
Enquanto isso, a população revela a vocação cosmopolita de São Petersburgo, tratando os visitantes com naturalidade. São Petersburgo vai além da Rússia e é muito mais do que o parque temático que muitas cidades da Europa se tornaram.
A cidade utópica, inventada e reinventada em tão pouco tempo, revela aquilo que o ser humano tem de pior e de melhor.

 

São Petersburgo - Rússia

 

Mas São Petersburgo floresceu em grande velocidade. Cientistas, engenheiros, teóricos e economistas foram incentivados a viver por lá. Em cem anos, a cidade já era maior que Moscou e se tornou o símbolo de uma nova Rússia.
Durante o reinado de Catarina, a Grande, a cidade foi ampliada e embelezada. Severos planos urbanísticos foram impostos, as fachadas deveriam ter padrão europeu e proporção harmônica com as ruas. Foram construídos o palácio de Inverno, hoje museu Hermitage, e o monumento a Pedro, o Grande, dois marcos.
Mas a grande ironia da história da cidade ainda viria. Ao abrir a janela para o Ocidente, o czar trouxe também as idéias liberais e de modernização que não condiziam com o regime autoritário da própria Rússia. Em 1814, os soldados que empurraram Napoleão de volta à França tiveram contato com as aristocracias, os parlamentos e as monarquias constitucionais da Europa ocidental.
Em meados do século 19, entre os cafés e as vitrines da avenida Névski começaram a circular as primeiras idéias vindas do oeste. Diversas manifestações por reformas constitucionais foram esmagadas pelo regime autoritário dos czares.
Não tardou muito para a situação ficar insustentável. Em 9 de janeiro de 1905, o "domingo sangrento", 150 mil grevistas e operários foram à praça do Palácio pedir melhorias e foram recebidos a bala pelos soldados de Nicolau 2º.
A Primeira Guerra Mundial trouxe ainda mais dificuldade. No meio da turbulência, Nicolau mudou o nome da cidade para Petrogrado, termo mais eslavo, num ato simbólico para conter a ocidentalização. Mas era tarde demais.
Após a abdicação do czar, entre os diversos grupos que disputavam o poder, os bolcheviques saíram vitoriosos. Em abril de 1917, vindo do exílio, Lênin desembarcava na estação Finlândia para mudar o rumo da história.
A exposição aos inimigos fez o novo governo mover a capital de volta para Moscou, e a cidade entrou em declínio.

 

Catedral do Sangue Derramado - São Petersburgo - Rússia

 

Depois que a Revolução Comunista de 1917 que decretou que a religião era o ópio do povo e que os operários do regime foram proibidos de gastar tempo com esse tipo de culto, a maioria das grandes catedrais, como a de São Nicolau, com suas torres azuis, ou a de Santo Isaac, com sua grande cúpula dourada, foi transformada em museus. Na Avenida Nievsky Prospect, a principal da cidade, cheia de lojas, galerias, cafés e restaurantes, fica uma das igrejas mais visitadas, a Catedral Kazan. Outro esplêndido exemplar está no interior das muralhas vermelhas da Fortaleza de São Pedro e São Paulo, que abrigam a igreja do século 18 onde estão os restos mortais da maioria dos czares russos. A mais espetacular de todas elas, no entanto, é a Catedral da Ressurreição de Cristo, que tem torres com mosaicos multicoloridos, no melhor estilo ortodoxo russo. Ela também é conhecida como a Catedral do Sangue Derramado, pois foi ali que, em 1870, o czar Alexandre II foi assassinado. Para que sua morte não fosse esquecida, levantou-se a catedral no exato local do crime.

 

Fortaleza de São Pedro e São Paulo - São Petersburgo - Rússia

 

Esse episódio violento, no entanto, está longe de ser um fato isolado na cidade fundada em 27 de maio de 1703 por Pedro I Alexeievitch, mais conhecido por Pedro, o Grande, o imperador que reformou a administração da Rússia e incentivou as artes e o comércio. Houve um tempo em que São Petersburgo, pelo menos sob a ótica de quem estava do outro lado do balcão, era considerada uma das cidades mais encrenqueiras do planeta. Em 1812, encheu a paciência de Napoleão ao resistir ao avanço de suas tropas. Na Segunda Guerra Mundial, durante dois anos, não se deixou tomar de jeito nenhum pelos alemães. Tanta bravura, porém, custou caro aos russos, mais de 500 mil pessoas morreram no famoso Cerco de Leningrado (como esse episódio passou para a História) e os sobreviventes tinham de se virar com uma ração diária de 120 gramas de pão.

 

São Petersburgo - Rússia

 

No começo deste século, foi palco do Domingo Vermelho, a célebre manifestação que pedia reformas ao czar e acabou recebendo apenas pancada e muito chumbo. São Petersburgo também foi berço da Revolução de Outubro de 1917, que inaugurou oficialmente o comunismo na Rússia, numa noite de outubro, depois de um canhonaço disparado pelo cruzador Aurora, os revoltosos invadiram o Palácio de Inverno e encerraram a dinastia dos czares. O próprio nome da cidade acabou entrando na dança de cadeiras comandada pelas contendas políticas e pelas batalhas ideológicas. Em agosto de 1914, durante a guerra contra a Alemanha. São Petersburgo foi rebatizada para Petrogrado, ou a Cidade de Pedro em russo. A razão disso é que o final "burgo" soava germânico demais para os ouvidos cossacos. Em 1924, depois da morte de Lenin, passou a se chamar Leningrado em homenagem ao líder. Só há poucos anos que a cidade voltou a se chamar São Petersurgo.

 

São Petersburgo - Rússia

 

Como nos demais lugares que viviam sufocados sob o peso da cortina de ferro, a abertura injetou vida nova nas ruas. Cada vez mais, a cidade está cheia de turistas descobrindo recantos românticos ou frequentando cafés charmosos que servem o clássico caviar com vodca por módicos 200 rublos.

 

São Petersburgo - Rússia

 

Impensável alguns anos atrás, os corredores dos museus estão cheios de garotos de cabelos mais pintados do que uma tela de Kandisnki. Palácios, como o Belosselsky, às vezes ficam mais animados do que no tempo dos bailes do império. Os teatros, por sua vez, reservam filas inteiras para excursões de turistas. Os parques e as praças viraram um desfile a céu aberto de gente de todas as nacionalidades que circula entre os músicos e pintores. Mais do que os barcos e os canais, a maior semelhança entre São Petersburgo e Veneza acaba sendo aquele algo indefinível no ar que serve de inspiração aos poetas, esses seres que vivem do incomum, do implausível e do mágico.

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