“Belfast??? Aquele lugar onde católicos e protestantes vivem jogando bombas uns nos outros? Não, obrigado.”
Esta era a reação da maioria das pessoas com quem falei antes de viajar para a Irlanda do Norte. Eu não tinha nenhum motivo especial para ir a Belfast mas como gosto de conhecer lugares diferentes resolvi esquecer tudo de mal que os jornais não cansavam de falar desta cidade e decidi que Belfast seria um das cidades que visitaria e tive uma bela surpresa.
Antes de tudo, esqueça os carros bomba, esqueça o conflito religioso entre católicos e protestantes e para finalizar esqueça tudo de mal que tenha ouvido ou lido sobre Belfast.
Assim que cheguei a Belfast e deixei a minha mochila no hostel tratei logo de começar a explorar a cidade, peguei meu guarda-chuva, item fundamental na fria e chuvosa Irlanda do Norte e fui explorar a cidade a pé. Nas ruas vi crianças voltando das escolas sozinhas, casais fazendo compras, pubs cheios de gente alegre tomando cerveja, nenhum sinal de violência ou intolerância religiosa. Intrigado, tomei coragem e perguntei a um rapaz num pub sobre os conflitos entre católicos e protestantes. “Ah, isso é só no Shankill e no Falls”, me disse o rapaz, referindo-se a dois bairros tradicionais, e vizinhos. E ele emendou: Se quiser te levo lá de carro para conhecer.
Sim, a pendenga religiosa ainda continua existindo em Belfast, mas, além de estar restrita a esses bairros, já virou atração turística. Na Shankill Road, a avenida que divide os dois bairros, um muro alto foi erguido para evitar as provocações entre os católicos que moram num lado e os protestantes, que vivem no outro.
As comunidades destes dois bairros recorreram à pintura de murais para exprimir as respectivas convicções. Em algumas ruas os murais foram pintados de vermelho, branco e azul, as cores do Reino Unido, ou de verde, branco e dourado, aludindo à República da Irlanda. Apesar do tratado de paz atualmente em vigor, os murais deverão manter-se, pois já são uma atração turística de Belfast.
Para entender a pendenga é preciso saber que o conflito, conhecido por “the troubles”, que é como eles se referem ao período conturbado que passou a cidade, foi criado por atualmente a Irlanda do Norte fazer parte do Reino Unido. A parte católica da cidade luta pela reunificação da Irlanda como um país único e independente enquanto os protestantes parecem satisfeitos em ainda fazerem parte do Reino Unido e em serem súditos da rainha.
Ainda há uma grande preocupação com a segurança em Belfast, há câmeras em todos os lados na cidade, a sensação é a de viver num imenso Big Brother, onde cada passo é minuciosamente gravado. Cheguei a ouvir um turista canadense a perguntar para um policial onde poderia encontrar um “locker” em Belfast para guardar sua mochila por algumas horas e para minha surpresa a resposta foi: “Dude, this is Belfast. There is no lockers in Belfast”, algo como: “Amigo, isto é Belfast. Não há lockers in Belfast”.
Como se todo locker pudesse ainda ser um ótimo lugar para colocar uma bomba. No passado os moradores da cidade estavam habituados a passar por pelo menos 20 revistas diárias enquanto iam trabalhar, apanhavam transportes públicos ou iam as compras no supermercado ou lojas. Uma verdadeira loucura.
Em Belfast, o prédio mais imponente é o City Hall, onde funciona a prefeitura da cidade, que ocupa um quarteirão inteiro. Bem ao lado dele fica um monumento dedicado às vitimas do Titanic, que, embora quase ninguém saiba, foi construído num estaleiro local. Aliás, o naufrágio do Titanic provocou em Belfast um impacto como em nenhuma outra cidade do mundo, já que a maioria dos tripulantes do navio era dali, por isso, o memorial.
Mais uma vez tomei coragem e perguntei a um nativo num pub o porque deles terem tanto orgulho de um navio que afundou no meio do caminho em sua viagem de estreia. O simpático rapaz esboçou um sorriso e disse: “Quando ele partiu daqui não havia nada de errado com o navio”.
A prefeitura de Belfast será o seu ponto de referência na cidade, o centro de Belfast é facilmente navegável a pé, por ser pequeno e plano. Se pretende visitar a cidade o melhor a fazer é ir até o “Welcome Centre” que fica na Donegall Place, uma rua bem em frente a prefeitura da cidade. Lá você poderá obter folhetos sobre passeios, mapa turístico da cidade e outras informações.
Talvez numa ânsia de querer mostrar ao mundo que Belfast não é mais aquela cidade conflituosa do passado os moradores farão de tudo para te ajudar, basta parar em uma rua qualquer e abrir o seu mapa, logo vai aparecer alguém perguntando se está perdido ou se precisa de ajuda.
No fim da viagem fiquei surpreso do quanto eu tinha gosta de Belfast, apanhei um ônibus de volta para Dublin de onde partiria o meu voo de regresso e no caminho, ainda processando todas as coisas e pessoas que conheci naquela cidade senti uma bela e gostosa sensação de ter quebrado um tabu.
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